Neste mês de junho, mais especificamente no dia 03, abordamos o combate à obesidade mórbida infantil, cujos parâmetros consideram, para além do peso propriamente dito, o índice percentual de gordura acumulada no corpo e fatores como a estatura física e a circunferência abdominal
por Tiago Vilela, para outrosquinhentos.com*
Um dos maiores vilões associados à obesidade é a ingestão excessiva de alimentos, comportamento frequentemente associado à ansiedade. Tem fundamento? Tem.
Simbolicamente, a comida está diretamente ligada a fatores afetivos. Ela é uma das primeiras acalmadoras da angústia existencial do bebê após a ruptura com ventre da mãe. Antes, na barriga, tudo era quentinho e aconchegante. Não havia boletos pra pagar, era só continuar ali sendo alimentando e recebendo oxigênio for free. Quando nasce, o bebê passa a ter sensações fisiológicas de necessidade de alimentação, por isso sente o desprazer da fome, o que gera desconforto e angustia, A alimentação passa a ter impacto direto no sentimento de alívio, trazendo aconchego, amparo e segurança. Pronto, a associação cognitiva está feita. Comida pode acabar com problemas angustiantes da existência.
Agora, comer em excesso, de forma exagerada e sem regra, é por causa da ansiedade ou de um distúrbio compulsivo? Nem sempre. Os padrões sociais contribuem para a alimentação excessiva.
A obesidade não tem apenas uma raiz. Ela é o resultado da soma de fatores diversos. Temos, por exemplo, o impacto de questões genéticas e o funcionamento peculiar do sistema biológico de cada indivíduo. E, sim, há fatores psicológicos que se ligam a distúrbios emocionais e também a padrões psicossociais – cultura, costumes, educação etc – que supervalorizam o prazer da comida. Nós estamos, sim, acostumados a doses exageradas de comida e isso tem a ver com a referência social que nos é dada.
É claro que há questões de necessidades fisiológicas, tanto de tipos de nutrientes como de quantidades, e isso muda de pessoa pra pessoa, mas o exagero e a exploração do prazer da degustação, para além dos distúrbios emocionais, têm como pano de fundo a gula e a exploração econômica.
Quem é que te disse que você precisa tomar 500ml de refrigerante, altamente adocicado, enquanto come um lanche enriquecido no bacon, na maionese e no queijo?
Quem te disse que você tem que ir ao rodízio de pizza? Por que é que a gente tem que se entupir de salgados fritos, aprimorados no carboidrato, e ao final da festinha comer mais de um pedaço de bolo altamente trabalhado no leite condensado e no chantilly, acompanhado de brigadeiros e beijinhos aos montes?
Por que é que um lanche altamente calórico acompanha 300g de batata frita ou cebola empanada e, de sobremesa, um milk shake de 800ml?
Precisa? Não precisa. O seu corpo não gosta de exageros, mas é o que estamos todos condicionados a ingerir apesar dos claros sinais que o próprio corpo nos dá: dor de estômago, queimação, refluxo e todas aquelas sensações de mal estar. E o ganho de peso.
Qual é o propósito? Elevar a medida do colesterol a “k”?
É muito comum, ainda, o reforço do comportamento que associa a comida a uma recompensa. Quem é que nunca pensou em dar uma bala, um chocolate, um doce pra uma criança parar de chorar, ou então como troca ou recompensa por um comportamento que atende à expectativa social? Desse modo, a comida passa a ser entendia como prêmio, como recompensa ou compensação, e de forma inconsciente, dá a sensação de que você fez alguma certa – ou fez algo que correspondeu à expectativa. Ou reforça a ideia de que, se está triste e desolado, comer vai fazer você se sentir melhor.
A exemplo temos a clássica cena fúnebre da celebração da fossa com um grande pote de sorvete em frente à TV. Quem nunca?
Como se não fosse o bastante, o combate à obesidade ainda pode aparentar teor preconceituoso frente à militância pela aceitação do corpo. Todos merecem respeito? Sim. Todo mundo tem o direito de ser e amado e socialmente aceito, independentemente do peso, do formato do corpo ou dos níveis de triglicérides e glicose? Sim. Mas a positividade tóxica pode nos desviar da vigília sobre os fatores nocivos à saúde. Aceitar seu corpo como ele é, com seus traços e tendências naturais, para efeitos de harmonização entre mente e corpo e melhoria da qualidade de vida emocional, com aumento da autoestima, é uma coisa. Aderir à atitude politicamente correta em detrimento da saúde do seu corpo, é outra. Se o limite não for respeitado, há sérios riscos do empobrecimento da saúde física e mental.
Outro fator social agravante é a angustiante narrativa do “mais”. A gente precisa de mais seguidores nas redes sociais, mais dinheiro na conta, mais status, mais conexões interpessoais, mais experiências culturais, mais habilidades, mais possibilidades de trabalho, mais estudo, mais inteligência, mais atividade física, mais entretenimento, mais satisfação, mais prazer. Pode parecer besteira, mas a mensagem por trás disso é que nunca podemos estar satisfeitos. E aí no bolso da maioria dos brasileiros não cabe uma viagem, mas sempre dá pra comer mais um pão com mortadela. E às vezes isso sai na faixa. Entende? É um esquema mental de compensação.
Manter o equilíbrio pode ser difícil, mas a gente consegue. Lutar contra a obesidade trata-se de harmonizar a mente com o ambiente, analisar criticamente o incentivo ao consumo sem sentido e, a partir disso, repensar o comportamento. Os processos de dieta mais efetivos, de efeitos prolongados, para perda de peso e ganho de saúde são todos baseados não em regimes, mas em reestruturação de hábitos gerais, que vão de acordar mais cedo e meditar a alterar o caminho que se faz no percurso do trabalho pra casa, e vice-versa. É hábito, é a mente, é a reestruturação de conceitos mentais.
Antes de limpar a comida que se come, é preciso limpar a sua mente e clarear a sua consciência sobre as necessidades do seu corpo.
E agora com licença porque eu vou comer um chocolate com café.
Eu preciso? Não. Mas eu quero. E é então que entra a minha consciência pra tomar a decisão sobre o quanto eu vou comer.